Por onde anda a garota desbocada?

 

Gaveta obscena é exatamente o lugar onde eu deveria ter chegado um dia. Talvez, eu já estivesse aqui, antes mesmo de criá-lo. Toda criação vem de nós e parece nos preceder. A criação me domina. Pertenço ao que imagino. Psicanalistas, poetas, cinéfilos, artistas de um modo geral, entusiastas de uma boa conversa insana regada a litros de café, vinho barato e atos falhos, deite-se comigo em meu divã imaginário e sinta-se mais do que à vontade. 

Me perguntaram sobre a garota desbocada esta semana e eu senti uma saudade verdadeira daquela sujeitinha irreverente , que se acha atraente com suas calcinhas de renda meio esgarçadas, com seus quilinhos a mais e seus mamilos rosados de mocinha com quase 40 anos. 

Que faz poesia com suas palavras mais gastas do que as rendas das  mesmas calcinhas que ela insiste em usar como quem repete velhas emoções diante de um copo vazio. 

Me sinto literariamente e existencialmente sóbria hoje. Busco o que dizer com a lembrança da pele da alma, com o gosto do vinho que tomei na semana passada. Reinvento o meu torpor porque como todo poeta, sou uma dissimulada que encena o próprio gozo, a própria dor. 

Porque como toda poeta me desnudo de mim mesma para sorver num canudinho imaginário o sangue do meu coração. 

Ás vezes, queria ser a garota desbocada mais uma vez. Ela é o tipo de mulher que faz até as mulheres perderem a cabeça. Se a encontrasse no meio da rua , atravessando-a de forma descuidada , a chamaria para um café e um dedo de prosa e juntas faríamos uma poesia de carne e osso.

Mas estou cansada. E me contento em dissimulá-la por meio das minhas palavras que significam nada enquanto escuto "Onde anda você" , com um sorrisinho de canto de boca, ruminando qualquer coisa muito insana.  

Este artigo foi publicado no meu blog Garota desbocada.


No meu blog Gaveta obscena vou divulgar textos variados de minha autoria, de diversas categorias. Entre elas: críticas fílmicas, contos, devaneios poéticos e artigos sobre comportamento.


Sou psicanalista, professora, escritora, atriz e doutora em Comunicação e Semiótica. Fundei a empresa Sílvia Marques Produções Artísticas Independentes, responsável por oferecer cursos na área de Humanidades e montar  minhas peças teatrais.

Ofereço sessões de terapia acolhedoras e online, mentoria de autodesenvolvimento e formo psicanalistas. 

Publiquei 10 livros individuais, participei de 11 coletâneas, as quais organizei três. Venci sete concursos literários, fui indicada ao prêmio Jabuti em 2013. Mais de 500 artigos de minha autoria circulam por blogs variados. 


www.psicanalistasilviamarques.com














Comentários

  1. Esses dias recebi um papelzinho verde com um recado escrito à mão contendo um endereço desconhecido. Era um convite sem data e nem hora marcada. Era um lugar novo pra mim e não sabia nem como chegar. Confesso que gastei um pouco de tempo com medo de me perder no caminho. Mas, ao chegar e entrar percebi que havia algo ali que fizeram os meus olhos brilharem novamente. E que fez por alguns minutos esquecer o que aconteceu durante o trajeto. Achei um quadro que há muito tempo atrás eu tinha pintado em cores quentes: vermelho, laranja e amarelo. Era uma tela que eu havia guardado depois de ter derrubado uma bisnarga preta de tinta óleo por cima. Você já tentou remover tinha óleo de algum lugar? É dificil tirar. E lembro da culpa que sentir por ser desastrada e por achar que tinha estragado essa tela. Porque a tinta escura havia cobrido a maior parte da intensidade daquelas cores e eu não sabia mais como recuperar, não havia mais tinta.

    E quando eu me deparei com ele hoje, percebi que alguém havia tentado recuperar. Pois tinha uma nova cor, tinta branca. E o que antes era abstrato foi criando formas e curva. O branco misturado no vermelho foi dando um tom rosado que mais se parecia uma pele, um rosto, um corpo que aparentava ressurgia do fogo que as cores amarela e laranja pareciam ser. A mesma tinta branca foi trazendo luminosidade nos espaços que antes tinha faltado sentido e que estava coberta daquela tinha escura. Tirei o quadro da parede para remover um pouco da poeira que estava por cima e um papel caiu no chão. Me abaixei para pegar e o desdobrei para ler. Uma lágrima surgiu no meu rosto quando percebi que reconhecia aquelas palavras. Era um recado daquela garota que um dia tinha me salvado e que há algum tempo eu achava que estava sumida. Acho que ela me escrevia enquanto tomava café, dava para sentir o aroma das gostas que ela deixou cair sobre o papel. E nele ela escreveu o seguinte:

    “O amor não é alegria nem eu foria em forma de fogos de artificio. Tampouco é desejo urgente. Amor talvez seja apenas o resto que sobra depois que tudo já acabou: a alegria, a euforia, o desejo, a urgência. Talvez o amor seja apenas um resquício de algo do outro que continua sorrindo dentro de nós.”

    Ass: Sílvia Marques, A Garota Desbocada.

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