Dinheiro: o que ele diz sobre nós?

Gaveta obscena é exatamente o lugar onde eu deveria ter chegado um dia. Talvez, eu já estivesse aqui, antes mesmo de criá-lo. Toda criação vem de nós e parece nos preceder. A criação me domina. Pertenço ao que imagino. Psicanalistas, poetas, cinéfilos, artistas de um modo geral, entusiastas de uma boa conversa insana regada a litros de café, vinho barato e atos falhos, deite-se comigo em meu divã imaginário e sinta-se mais do que à vontade. 


O modo como nos relacionamos com o dinheiro diz muito sobre nós, sobre a nossa mais tenra infância, como enxergamos os afetos, nós mesmos e o mundo ao redor. Falar sobre dinheiro é pensar a respeito do universo das negociações afetivas, é refletir sobre a forma de amarmos e de nos relacionarmos com as pessoas.  Existem, basicamente, quatro modos de lidarmos com o dinheiro:

1. Com desdém: pessoas que sentem certo desprezo pelo dinheiro, minimizando a sua importância, o relacionam como algo sujo e por este motivo podem ter dificuldade para ganhá-lo, mesmo com uma boa formação profissional. 

Quem despreza o dinheiro tem dificuldade para cobrar dívidas e colocar preço em seu trabalho. Existe um quê  de aristocrático naqueles que parecem se colocar acima do dinheiro. O desdém pelo dinheiro é comum em pessoas que apresentam estrutura psíquica neurótica histérica. 

2. Com supervalorização: pessoas que supervalorizam o dinheiro, não conseguem gastá-lo. O dinheiro para algumas pessoas é tão precioso, que ele deve ser preservado como se guarda um troféu. São os famosos avarentos que, mesmo ganhando muito,  vivem em condições precárias.

Os avarentos, mais do que pessoas pouco generosas com os outros, são mesquinhos com eles mesmos. A personalidade avarenta não se restringe a regular excessivamente o dinheiro, mas pode atingir outros segmentos da vida, como, por exemplo, a dificuldade em abraçar e demonstrar carinho.

A supervalorização pelo dinheiro é comum em pessoas que apresentam estrutura psíquica neurótica obsessiva e que sentiam prazer em reter as fezes na segunda fase do desenvolvimento psicossexual estipulado por Freud (fase anal). 

3. Como fonte de poder: quem encara o dinheiro de forma fálica, como signo do poder, pode esbanjá-lo como estratégia de mostrar força e superioridade. Algumas pessoas compram mais do que precisam e tentam conquistar o afeto dos outros por meio de presentes caros.

São pessoas que costumam dizer que dinheiro não é problema, mas podem fazer dívidas por conta deste comportamento libertário demais. As relações com os outros é normalmente mediada pelo dinheiro.

Este tipo de comportamento é comum entre neuróticos obsessivos que sentiam prazer em liberar as fezes de qualquer jeito, em qualquer lugar na segunda fase do desenvolvimento psicossexual estipulado por Freud (fase anal). 

4. Como dádiva: quem encara o dinheiro como dádiva, sabe usá-lo de forma saudável, fazendo-o circular (a natureza do dinheiro é circular), mas com responsabilidade. Algumas pessoas compreendem que o dinheiro serve para proporcionar uma vida confortável e ajudar na realização dos nossos propósitos.

Dinheiro não é troféu, mas também não deve ser desperdiçado. Dinheiro é necessário, mas não mede caráter. Pessoas com qualquer estrutura psíquica podem se relacionar bem com o dinheiro. Porém, muitas vezes, é preciso passar pelo processo analítico para compreender melhor a nossa relação com o dinheiro e consequentemente com a prosperidade e com os afetos. 

 



Este artigo foi publicado no blog Prensa.


No meu blog Gaveta obscena vou divulgar textos variados de minha autoria, de diversas categorias. Entre elas: críticas fílmicas, contos, devaneios poéticos e artigos sobre comportamento.


Sou psicanalista, professora, escritora, atriz e doutora em Comunicação e Semiótica. Fundei a empresa Sílvia Marques Produções Artísticas Independentes, responsável por oferecer cursos na área de Humanidades e montar  minhas peças teatrais.

Ofereço sessões de terapia acolhedoras e online, mentoria de autodesenvolvimento e formo psicanalistas. 

Publiquei 10 livros individuais, participei de 11 coletâneas, as quais organizei três. Venci sete concursos literários, fui indicada ao prêmio Jabuti em 2013. Mais de 500 artigos de minha autoria circulam por blogs variados. 


www.psicanalistasilviamarques.com


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