Quando eu descobri que era gato e não cachorro
Gaveta obscena é exatamente o lugar onde eu deveria ter chegado um dia. Talvez, eu já estivesse aqui, antes mesmo de criá-lo. Toda criação vem de nós e parece nos preceder. A criação me domina. Pertenço ao que imagino. Psicanalistas, poetas, cinéfilos, artistas de um modo geral, entusiastas de uma boa conversa insana regada a litros de café, vinho barato e atos falhos, deite-se comigo em meu divã imaginário e sinta-se mais do que à vontade.
Não. Não foi num dia específico que descobri que era gato e não cachorro. Foi numa fase. Algo difuso como as mamas vistas por meio de um ultrassom.
Não foi de repente , estilo um susto que a gente leva , um insight , um salto no escuro, um sexo brutal com as saias levantadas e as calcinhas abaixadas: "Nossa! Já acabou?" pronunciado no meio de um sorriso de canto de boca , meio sarcástico, meio perverso. Meio querendo algo inteiro.
Não. Foi estilo aquela carícia morna e boba descendo do pescoço até o cóccix. Estilo aquela risada que vai se intensificando quando nos embriagamos com poesia e desatino. Sim, sou um gato. Aos poucos , fui percebendo que tinha unhas afiadas e um jeito manhoso de amar. Posso querer você e te repelir em doses quase idênticas. Gosto da tranquilidade dos dias iguais. Prezo rotinas. Prezo que me prenda com mãos brandas. Mas preciso das laterais para caminhar sozinha , no meu ritmo. Tenho uma canção francesa e melancólica tocando em meu coração.
Se te unho de leve quando tenta reter-me em seus braços , não é por falta de amor. Lá no fundo , tenho muito medo de qualquer coisa. De prender a respiração, de perder aquilo que acho mais caro em mim. Talvez , das cócegas nos bares escuros da cidade, talvez das lembranças ternas entre os lençóis amarfanhados.
Sim, sou gato quando me afasto para não te morder e apenas te firo com meu tédio lânguido. Quando amo a mim como amo a você.
No meu blog Gaveta obscena vou divulgar textos variados de minha autoria, de diversas categorias. Entre elas: críticas fílmicas, contos, devaneios poéticos e artigos sobre comportamento.
Sou psicanalista, professora, escritora, atriz e doutora em Comunicação e Semiótica. Fundei a empresa Sílvia Marques Produções Artísticas Independentes, responsável por oferecer cursos na área de Humanidades e montar minhas peças teatrais.
Ofereço sessões de terapia acolhedoras e online, mentoria de autodesenvolvimento e formo psicanalistas.
Publiquei 10 livros individuais, participei de 11 coletâneas, as quais organizei três. Venci sete concursos literários, fui indicada ao prêmio Jabuti em 2013. Mais de 500 artigos de minha autoria circulam por blogs variados.
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